4 de dez. de 2009

Filmes de animação para adultos

por Jessica Almeida


“O meio é a mensagem”. Aqui talvez não no sentido exato que Marshall McLuhan quis expressar, mas no que diz respeito às escolhas tomadas em relação à forma e, principalmente, suas consequências sobre o conteúdo. A produção de qualquer filme envolve muitas dessas escolhas. No caso das adaptações, isso se intensifica, já que adaptar é optar pela forma mais adequada de exprimir algo que já exista, de uma maneira alternativa.

Quando um autor decide por conceber seu filme em formato de animação, não costuma ser por mero capricho, isso quer dizer alguma coisa. Principalmente quando esse filme possui “temática adulta” – favor não levar para o lado pornô da coisa. É o caso de Persépolis (2007), filme adaptado dos quadrinhos homônimos da iraniana Marjane Satrapi, nos quais contou histórias autobiográficas, vividas durante a Revolução Islâmica. Ao contrário do que se possa imaginar à primeira vista, o filme não é somente voltado ao público infanto-juvenil. Seu “conteúdo” diz respeito a questões complexas, relacionadas ao crescimento de uma garotinha em meio a conflitos de diferentes naturezas.

O fato de ser uma animação torna Persépolis uma obra bastante peculiar. O que talvez fosse apenas o simples relato de determinada situação, se tornou um produto cheio de delicadeza. A escolha do preto e branco para as cenas de memória, que compõem a maior parte do filme, torna isso ainda mais intenso. A pequena Marji talvez não fosse tão expressiva e cativante vivida na pele de uma menininha de verdade. A força do filme está em sua forma, responsável por torná-lo atraente e inovador.

Outro caso nesses moldes é o de Valsa com Bashir (2008), que trouxe às telas a busca de um ex-combatente da Guerra do Líbano pela memória que involuntariamente – ou não – apagou de seu pensamento: o massacre nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, em 1982. Também “baseado em fatos reais” – expressão bastante adequada, uma vez que os fatos reais estão exatamente na base do filme – é mais sisudo que o anterior. De qualquer forma, não chega nem perto da agressividade visual contida em outros filmes sobre guerra e o responsável por isso é o fator animação. Os personagens deste não são tão expressivos quanto os de Persépolis, mas em compensação, a fotografia é impecável e alguns recursos, como o travelling visto nos últimos minutos, dão grande sensação de verossimilhança ao espectador. Suave é um termo que definiria bem esse filme.

Valsa com Bashir

Waking Life (2001) caracteriza um outro tipo de adaptação. Sua história não é real, no sentido de ser a transcrição cinematográfica de uma experiência vivida em plano físico por um indivíduo. Entretanto, é “baseado em figuras reais”, já que, uma vez filmado com atores, teve, posteriormente, uma película especial sobreposta às imagens, a qual deu a elas texturas de animação. Esta técnica tão pouco comum transformou o filme em mais um exemplo de que forma e conteúdo não se dissociam no cinema. Waking Life tem em seu enredo um jovem que tem consciência de que está sonhando, mas não consegue acordar. É difícil pensar em outra técnica que deixe um filme mais parecido com um sonho do que a animação, uma vez que ela possibilita, sem maiores ônus, a criação de situações não-reais. O que é um trunfo, afinal, onde o ser humano pode ser mais inverossímil do que em seus sonhos?

As reflexões filosóficas que permeiam o filme – outra característica que o aproxima da adaptação: há diversas falas de célebres filósofos em meio aos seus diálogos – são ilustradas com recursos visuais como imagens em camadas, caricaturização dos corpos e desconexão entre os elementos, entre outros. O curioso é que, diferente dos filmes citados anteriormente, Waking Life não possui uma unidade que diga das imagens como um todo. A cada cena os traços são de um tipo e à medida que os acontecimentos se desenrolam é que a tela vai se adaptando, de modo a completar os quadros formados.

Waking Life

“Quem vê forma, não vê conteúdo” é uma falácia que sabe Deus porque se propagou; talvez pelo mesmo motivo que “sua inveja faz a minha fama” ou “Deus me disse, desce e arrasa”. Pode até ser que a primeira faça algum sentido em algum plano da vida, mas esse plano definitivamente não é o cinema. O uso da animação em filmes adultos é só mais um exemplo entre os vários que justificam essa negação.

Filmes citados:

Persépolis (Persepolis), Vincent Paronnaud, Marjane Satrapi (2007)

Valsa com Bashir (Waltz with Bashir), Ari Folman (2008)

Waking Life, Richard Linklater (2001)

3 de dez. de 2009

Adaptações ideológicas em quatro versões de "A Onda"

Por Otavio Oliveira



Diante do Fürher, membros da Onda fazem a saudação. Crédito: Divulgação.

Ao som de Rock n’ Roll High School, dos Ramones, um professor de educação física cruza a cidade em seu carro, rumo à escola secundária onde leciona. Dentes irregulares, cabeça raspada e atitude desobediente e anárquica são as primeiras características que se nota a respeito de Rainer Wenger, futuro líder de um movimento totalitário, fascista e manipulador. O personagem e o contexto ficcional em que ele está inserido surgem como a maneira mais interessante (carregada de mea culpa) e objetiva de contar uma história nascida 40 anos atrás, cujas raízes se enterram e se escondem sobre superfície da história alemã, européia e mundial.

Muito embora o totalitarismo nazifascista – nascido na Europa na década de 30 com o objetivo de sugerir uma superioridade ideológica baseada em características raciais, de gênero e religião – seja considerado, hoje, condenável e irracional pela sociedade, líderes e ideologias muito atuais nos fazem enxergar que 80 anos fazem muito pouca diferença. Nesse contexto, o mundo ocidental enxerga no espelho formas saudáveis que superaram a vitimização por ataques terroristas e a culpa pelo imperialismo desonesto e bombas atômicas. O pequeno fascista adormecido dentro de cada cidadão comum, que desperta com o barulho dos mais tolos estímulos de propaganda e falsos sentimentos de pertença, é o tema que emerge do mise-en-abyme que são as quatro versões da Onda.

Palavras repetidas

Em 1967, o professor de história Ron Jones propôs aos alunos do ensino médio de uma escola em Palo Alto, na Califórnia, um experimento de vivência fascista. O mote era o questionamento dos alunos acerca da inconsciência e da inércia dos cidadãos alemães não ligados ao Partido Nazista em relação ao Holocausto. Para provar como a manipulação das massas (nas palavras de Adorno, uma “psicanálise às avessas”) funcionava, o professor criou um regime ideológico intitulado “A Terceira Onda”, do qual ele próprio era o líder. O ideal comunitário em detrimento do favorecimento individual e o sentimento de pertença a um grupo forte e unido (embora sem propósito definido) fascinaram a maioria dos alunos menos atentos, que nem mesmo puderam perceber a manipulação a qual se sujeitavam. O movimento se alastrou e, antes que pudesse fugir ao controle de Jones, ele convocou todo o grupo para apresentar um novo líder. No auditório da Cubberley High School, mostrou aos presentes um vídeo com imagens de Hitler. A figura do líder nazista foi um choque de realidade para os envolvidos com A Terceira Onda, que perceberam, por fim, os propósitos metodológicos e didáticos do professor.

Por meio dos relatos e reportagens da época, é difícil estipular quais as verdadeiras dimensões do experimento de Ron Jones e mais ainda os impactos ideológicos sofridos pelos alunos, que deviam ter entre 16 ou 17 anos. Entretanto, com as primeiras adaptações ficcionais do acontecimento, temos como base alguns personagens chave que se repetiram, mesmo que adotando certas características diferentes ao longo dos anos.

Seis anos depois, Ron Jones escreveria um ensaio no qual os impactos da Onda eram colocados em questão. Baseado nos escritos do professor, Johnny Dawkins idealizou, em 1981, um especial educativo para TV que foi, anos mais tarde, distribuído mundialmente. Didático, leve e moralista, A Onda (The Wave) (veja o filme online, pelo Youtube) não poderia se adequar melhor às circunstâncias para as quais fora criado: suscitar, nas escolas americanas, alguma reflexão superficial sobre o totalitarismo e a importância da individualidade (conveniente) ao modelo americano, livre de qualquer culpa, pelo menos nesse “incidente histórico”.

O telefilme tem tons pastel, é repleto de máximas e frases-feitas, e didático ao extremo, tal qual fora, decerto, o método do professor Ron James. O professor-modelo Mr. Ross usa um suéter marrom sobre sua camisa de gola enquanto ensina a lição de moral anti-nazista por linhas tortas, interpretadas de maneira equivocada por grande parte da turma.

No mesmo ano, Morton Rhue (pseudônimo de Todd Strasser) baseou-se no telefilme de Dawkins para escrever A Onda. Nas cento e vinte páginas, Rhue reconta a história de Jones e Ross, com os mesmos personagens e diálogos do especial educativo de TV. O ideário moralista que, vale repetir, serve como uma luva à sociedade estadunidense que insiste na auto-reflexão como redenção histórica, permanece nesta terceira versão.

A história do professor chegou aos palcos, competindo com outras reviravoltas morais incitadas por outros professores na história da ficção norte-americana das últimas duas décadas. Às vésperas do aniversário de 70 anos do fechamento dos últimos campos de concentração nazistas na Europa, o cinema alemão decidiu remexer na ferida e expurgar demônios da hipocrisia histórica. A Onda (Die Welle), filme de 2008, recria a história.

Ainda que fosse repleto dos mesmos vícios moralistas das versões anteriores, A Onda já sairia na frente, na comparação, pela virtude de duas mudanças radicais: o cenário, desta vez, é a própria Alemanha, mesmo país que viu surgir o nazismo, onde a pergunta “Onde é que estavam os outros alemães enquanto os nazistas exterminavam milhões de pessoas inocentes?” reverbera mais intensamente. A segunda mudança está na figura do professor. Rainer Wenger não é nem de longe o professor modelo. Bem mais fácil e cômodo acusá-lo de manipular jovens inocentes do que apontar o dedo para um professor engomado como Mr. Ross.


Á esquerda, o engomado Mr. Ross em A Onda (1981); à direita, o Fürher Wenger em A Onda (2008). Crédito: Divulgação.


Emulação branca

O diretor alemão Dennis Gansel aproveita bem o tempo que tem para desenvolver a história complexa e delicada de A Onda. O filme tem 107 minutos, contra 45 da primeira versão para a televisão. O tempo do telespectador, porém, é mais incômodo na versão germânica que na história estadunidense. São mais claras as nuances de cada personagem, além da inserção de novos conflitos secundários e uma rede de relações humanas tratadas de maneira mais profunda.

A desobediência civil, a extrapolação dos limites de uma ideologia sofista (cuja única força motriz é a própria ideologia) e as características fascistas do movimento que vão criando raízes na mentalidade dos estudantes colorem de vermelho a monocromia branca que o filme se torna a partir do segundo ato. A Onda de Gansel em maiores proporções do que a de Rhue e Dawkins. Atinge toda a cidade, mexe com as estruturas familiares e desafia as autoridades. A figura de liderança de Wenger é questionada, sua onisciência é colocada em xeque, ele próprio fraqueja e se contradiz, ora foge da culpa, ora a assume. Pela sua oscilação, ele não é poupado, ao contrário do professor da outra versão.

Interessante perceber, ainda, que, embora a reflexão sobre o nazismo tenha inspirado Wenger (assim como o professor Ross e o próprio Jones, o original), não é por meio da figura de Hitler ou a comparação com a juventude hitlerista e o Holocausto que o movimento entra em choque. Essa mudança também é um ponto a favor de Gansel: a obviedade maniqueísta e moralista apenas passa perto do filme alemão, mas não o define.

A Onda de Gansel tem uma força própria e independe de seu substrato. Não tem função didática como protagonista. É, sozinho, um tratado sobre ideologia, manipulação, emulação e, sobretudo, sobre a humanidade, tal qual A Experiência (Das Experiment, 2001), de Oliver Hirschbiegel. Os dois exploram os limites conflituosos da psique colocada em evidência. Apesar de tomarem caminhos opostos, ambos tratam de experiências que fugiram ao controle e têm desfechos parecidos. Entretanto, podemos nos forçar a analisar que, em A Onda, o movimento proposto pelo professor Wenger perdeu o controle muito antes e de maneira mais inevitável do que a simulação de prisão em que o desregulado guarda Berus está envolvido.

Como ninguém tinha pensado nisso antes?

A contracorrente do movimento é exemplificada pela personagem Karo (Laurie, na outra versão), uma aluna que se recusa a fazer parte dA Onda. Embora nem mesmo Wenger possa perceber, no primeiro momento, Karo compreende mais do que qualquer um dos outros colegas o verdadeiro significado daquela experiência. O dilema quase piegas de seu namorado Marco (ou Dave, na história dos EUA), dos membros mais entusiastas dA Onda que se surpreende ao agredir a namorada (detalhe: na versão estadunidense, Dave empurra Laurie, na alemã, Marco dá um tapa forte no rosto de Karo), marca o ponto de virada da história e a move para o final quase inevitável.



Não se trata de fazer vista grossa para eventuais defeitos na narrativa ou na diegese de A Onda de Gansel, mas de ressaltar em que meandros o filme pôde ir além na reflexão do totalitarismo intrínseco ao ser humano. Os alunos de Wenger só valorizam a comunidade e o sentimento de pertença de maneira subjetiva, e pecam por ignorar que A Onda só faz sentido porque alimenta o individualismo de cada um. É, decerto, o que acontece com Tim, o freak da turma (nas outras versões, o personagem é Robert).

Todos os problemas de auto-estima do adolescente engatilham as melhores sequências do filme e criam um novo conflito, completamente inexistente nas outras versões. Ao espectador mais incrédulo, o clímax de A Onda de Gansel pode parecer forçado e não menos vicioso do que o moralismo de Dawkins e Rhue. Mas a ousadia do diretor alemão em ir até o extremo da situação e problematizar não apenas o que aconteceu, mas o que poderia ter acontecido naquela escola californiana, em 1967, é valiosa.

Toda a nossa doutrinação ficcional alavancada por episódios reais de violência no mundo adolescente como os retratados em Elefante, de Gus Van Sant, e Querida Wendy, de Lars Von Trier e Thomas Vinterberg, nos levam a prever a atitude de Tim. Como espectadores, até queremos que ela aconteça, mas nos confundimos na hora de apontar os culpados. A punição sobre o desfecho desagradável do movimento – e do filme, por conseqüência – recai sobre Wenger. O personagem quebra a quarta parede e nos olha nos olhos, como que nos encarasse e nos perguntasse se ele é mesmo o culpado, ou se a culpa é da história, ou do nosso fascista adormecido. Percebemos logo que o desfecho, por mais decepcionante que possa ser (e não acho que seja), é o ás na manga de Gansel. Ele foge com maestria do moralismo, caminha sobre a corda bamba do maniqueísmo, e nos faz sentir o gosto amargo da inevitabilidade.


Filmes Citados:

A Onda (Die Welle), Dennis Gansel (2008)

A Onda (The Wave), Johnny Dawkins (1981)

A Experiência (Das Experiment), Oliver Hirschbiegel (2001)

Querida Wendy (Dear Wendy), Thomas Vinterberg e Lars Von Trier (2005)

Elefante (Elephant), Gus Van Sant, 2003

Páginas na tela: a adaptação literária no cinema

Por Ana Flávia Oliveira



Tensões entre o cinema e a literatura sempre existiram e sempre vão existir. Isso porque muitos encaram o livro como uma espécie de “sinopse bem desenvolvida” e insistem na idéia de fidelidade completa do filme em relação à obra literária.

É preciso pensar, no entanto, que a literatura e o cinema constituem dois campos que, apesar de dialogarem, possuem possibilidades expressivas e estéticas diferentes. Devem ser respeitadas as características peculiares de cada meio – cinema e livro – e lembrar que elas não se reduzem apenas as diferenças entre linguagem escrita e visual, mas àquilo que é próprio de cada um deles.

O texto literário estabelece com o leitor uma relação individual, íntima e afetiva. Além disso, tem como matéria-prima as palavras e sua ambigüidade. O cinema, ao contrário, é uma experiência quase sempre coletiva e tem como matéria prima a objetividade das imagens, articuladas ao som e a montagem. Todos esses aparatos próprios do cinema irão trazer modificações ao texto literário quando adaptado as telas. O que acontece é que os leitores esperam que aquela relação que se teve com a leitura seja transportada para o cinema, o que não acontece. O sujeito precisa, então, criar outras relações afetivas e isso lhe causa estranhamento.



O iluminado, filme de Stanley Kubrick adaptado de um romance de Stephen King, por exemplo. O diretor partiu de um ícone do horror, que já havia vendido milhares de cópias e que já tinha um público fiel satisfeito com a atmosfera de terror criada pelo livro. Kubrick, no entanto, resolveu fazer algo que não fosse uma mera reprodução filmada do romance.

O longa agradou aos cinéfilos e desagradou aos fãs de King. Os que eram a favor de Kubrick ressaltaram a técnica do cineasta para contar a história. Aqueles que preferiam a obra original disseram que o filme cortou partes essenciais da trama – com a questão do Iluminado, tratada de raspão– e que o longe trouxe um viés muito sugestivo. Kubrick retirou todos os monstros do longa – deixando apenas alguns no final – e preferiu se concentrar na degradação psicológica dos personagens causada pelo ambiente e não totalmente pela sobrenaturalidade.

Outra questão que envolve as adaptações da literatura para o cinema é o estilo. Da mesma forma que os escritores possuem um modo próprio de escrever, também assim acontece no mundo do cinema. Ainda que pautados nas obras literárias, os diretores imprimem na película suas crenças, seus objetivos e seu estilo. Sendo assim, é possível ao cineasta interpretar, se apropriar e criar outros sentidos para aquele texto. Ele pode ser completamente fiel àquilo que está no livro ou pode utilizá-lo como inspiração e criar, a partir desse pano de fundo dado pelo texto literário, algo completamente novo. A adaptação será feita tendo em vista aquilo que o cineasta deseja expressar. Além disso, deve-se entender que escritor e cineasta têm sensibilidades e propósitos completamente diferentes.



A fogueira das Vaidades, de Brian De Palma, é um bom exemplo, sendo considerado por alguns críticos como uma anti-adaptação. O filme se baseia no livro de Tom Wolf, que buscava criticar os costumes estabelecidos nos anos 1980, década do advento dos Yuppies - executivos de grandes corporações ou do mercado de ações que enriqueceram rapidamente – de Wall Street. A polêmica já começou com a escolha do elenco, principalmente pela opção de Tom Hanks para interpretar Sherman McCoy. O próprio autor do livro, Tom Wolf, criticou a adaptação, alegando muitas mudanças de personagens (como, por exemplo, a transformação do juiz White, que no livro era judeu e no filme passou a ser negro). Além disso, alguns críticos alegam que De Palma transformou o livro numa comédia, “eliminou toda a crise existencial do anti-herói e transformou o cínico jornalista inglês que era a ‘consciência’ do livro, no próprio autor dele” (Contracampo).

Ao se olhar para as adaptações, deve se ter em mente que é o escritor quem possui um compromisso com o leitor e não o cineasta. No entanto, existem aqueles que fazem suas adaptações totalmente voltadas aos leitores. Senhor dos Anéis, por exemplo. O diretor Peter Jackson comunicou-se com os fã-clubes de Tolkien para que o longa não desagradasse a ninguém. O resultado foi um filme que satisfez bastante os apreciadores de Senhor dos Anéis – um público que, diga-se de passagem, já estava pré-disposto a gostar do filme –, mas que, no entanto, pode não ter sido tão agradável àqueles que não eram fãs do livro ou que gostariam de ver um lado mais original de Jackson.

Para fazer os filmes da saga Harry Potter, J.K. Rowling, autora do livros do bruxinho,  inspecionou toda a feitura dos filmes. Mesmo assim, o último filme lançado, Harry Potter e o enigma do Príncipe, não agradou tanto aos fãs, mesmo se mantendo bastante fiel ao livro. Esse é um risco – de não agradar aos fãs do livro - que os cineastas sempre irão correr ao fazer adaptações, pois como já foi dito, cinema e literatura trazem duas experiências completamente distintas.

Talvez seja melhor que o cinema tente ser ele mesmo de forma plena e não tentar ser literatura. Não se está dizendo que não se devam fazer adaptações. O que se deseja que é que, ao trazer textos literários para as telas, se possa fazer com liberdade e criatividade. Caso contrário o cinema pode perder aspectos preciosos de sua natureza e acabar ficando num meio termo – não sendo nem cinema, nem literatura.

Referências bibliográficas:

CURADO, M. E. . Literatura e cinema: adaptação ou tradução?. Temporis(ação) (UEG), v. 1, p. 101-117, 2008
http://www.contracampo.com.br/47/fogueiradasvaidades.htm (acessado em 3 de dezembro)
http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=237 (acessado em 3 de dezembro)

Filmes citados

O iluminado (The shining), Stanley Kubrick (1980)

Harry Potter e o enigma do Príncipe (Harry Potter and the Half-Blood Prince), David Yates (2009)

A fogueira das vaidades (The bonfire of the vanities), Brian de Palma (1990)

Senhor dos anéis (Trilogia) (The Lord of the Rings), Peter Jackson e Fran Walsh (2001, 2002 e 2003)