3 de dez. de 2009

Música e Cinema: Pedrinha de Aruanda e Bethânia Bem de Perto

Por Juliana Deodoro

Com o recente lançamento do filme Filhos de João – Admirável Mundo Novo Baiano (2009), documentário sobre a história e a influência de João Gilberto entre os Novos Baianos, é difícil não considerar a quantidade de obras que apareceram na última década e que têm como objeto a música e os artistas brasileiros.

Neste cesto “cinematomusical” é possível encontrar de tudo: tem a celebração de grandes nomes como Vinícius, Caetano e Nelson Freire; há o resgate de músicos esquecidos pela história ou pelo mercado, como Simonal, Tom Zé e Arnaldo Baptista; existem também ficções românticas como a de Noel Rosa e a do grupo Rio Bossa Cinco em Os Desafinados (2008); e ainda, pesquisas históricas e de linguagem, como as desenvolvidas em O Mistério do Samba (2008) e Palavra Encantada (2009).

Dentre todos estes filmes, destaco um que se difere da maioria. Pedrinha de Aruanda (2007), documentário dirigido por Andrucha Waddington, faz um retrato íntimo e discreto de Maria Bethânia. Feita em 2006, ano em que Bethânia comemorou 60 anos, a obra se passa essencialmente em Santo Amaro da Purificação, cidade natal da cantora. Na tela, personagens reais como o irmão Caetano Veloso e a mãe dona Canô.

O documentário começa em um show de Bethânia em Salvador e a acompanha pela estrada até chegar à casa onde passou a infância. O espectador é então convidado a entrar, se acomodar e se deleitar. Como voyeurs, participamos de momentos íntimos, como um jantar em família e a missa em ação de graças ao aniversário de Maria Bethânia. Como público, somos agraciados com uma apresentação particular que traz a cantora, o irmão famoso e a mãe popular embalados pelo violão do maestro Jaime Allem.

Indo na contramão de grande parte dos documentários dessa nova leva, Pedrinha de Aruanda descarta recursos como fotografias e vídeos antigos para construir sua narrativa. No lugar destas imagens, entram as composições que fizeram parte da infância e da formação dos músicos e que aos poucos vão nos mostrando as personalidades e a história de Bethânia e Caetano. A única pessoa realmente entrevistada para o documentário foi Dona Canô. Casos, histórias e informações estão diluídas na obra entre os diálogos que nada têm de formal, são conversas que “por acaso” foram filmadas.

Por receber atenção especial da câmera e dos filhos, Dona Canô se destaca. Com 99 anos na época da filmagem, ela é a responsável por revelações sobre Bethânia e se impõe na cantoria, dizendo: “Música boa é música antiga”.

De perto ninguém é perfeito

Na mesma caixa em que o DVD de Pedrinha de Aruanda foi lançado, encontra-se outro documentário feito com e sobre Maria Bethânia. Trata-se de Bethânia bem de perto – A propósito de um show, dirigido por Júlio Bressane e Eduardo Escorel e filmado em 1966. Depois de estourar no show Opinião, quando substituiu Nara Leão, Bethânia se instalou no Rio de Janeiro e seguiu a carreira artística, apresentando-se em boates.

O documentário de trinta minutos mostra Bethânia cantando e falando sobre música e fechando contratos. Este foi um dos primeiros filmes brasileiros com som direto, o que lhe confere espontaneidade e liberdade suficiente para entrar literalmente na vida de Maria Bethânia.

De cabelo curto e com a voz ainda mais grave, Bethânia é acompanhada por amigos como Jards Macalé, Silvinha Telles, Suzana de Moraes e o sempre presente Caetano Veloso. A câmera, às vezes frenética e às vezes estática, segue a agitação dos corpos que filma. A imagem em preto e branco dá às cenas certa pompa.

Se no filme de Andrucha Waddington termina-se com a imagem de uma Bethânia generosa, talentosa e sábia, em Bethânia bem de perto é impossível não se incomodar com a arrogância (talvez imatura) da cantora quarenta anos mais nova. Entre belas imagens em preto e branco de interpretações de músicas como “Deixa” e “Não tem tradução”, a baiana tece comentários nada elogiosos sobre Roberto Carlos e deixa claro seu incômodo com o constante desejo do público pelas músicas mais famosas, como “Carcará”.

Em comum, os dois documentários têm a narrativa nada usual, que usa as composições para a construção da linguagem. Em contraste, por ironia, os filmes têm sua personagem, que em quarenta anos deixou o cabelo e a humildade crescerem.


Filmes citados:

Pedrinha de Aruanda, Andrucha Waddington (2007)

Bethânia bem de perto – A propósito de um show, Júlio Bressane e Eduardo Escorel (1966)

Filhos de João – Admirável Mundo Novo Baiano, Henrique Dantas (2009)

Os Desafinados, Walter Lima Jr. (2008)

O Mistério do Samba, Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor (2008)

Palavra Encantada, Helena Solberg (2009)

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