3 de dez. de 2009

Quando a música vira protagonista

Por Natália Becattini

Trilha sonora é a seleção de músicas usadas em um produto audiovisual. No entanto, em alguns filmes, a trilha deixa de ser apenas um pano de fundo que acompanha a história e se torna aquilo que impulsiona a narrativa. É o caso de Quase Famosos, de Cameron Crowe (2000) e Alta Fidelidade, de Stephen Frears (2000). A música não é simples acessório, algo que pode, muitas vezes, passar despercebido pelo espectador mais desatento. Nestes filmes, ela é uma das protagonistas.


Quase Famosos conta a história de Willian Miller (Patrick Fugit) um garoto que, aos 15 anos, se torna jornalista da maior revista de rock do mundo, a Rolling Stones, e acompanha a turnê de uma banda em ascensão. No percurso, ele conhece a cativante Penny Lane (Kate Hudson), líder de um grupo de fãs que se autodenomina “Band Aids”. Através do olhar inocente e apaixonado do adolescente, o longa retrata de forma nostálgica a história do rock setentista, além de abordar de temas como a relação da música com o consumo de drogas, o endeusamento dos astros do rock e a importância da relação entre fãs e ídolos.

Stillwater, a banda que Willian e Penny acompanhavam, é fictícia, mas bem que poderia ser real. Seus membros tentam se equilibrar na contradição entre viver o idealismo da época, acreditando que o rock n´ roll pode salvar o mundo, e, ao mesmo tempo,ceder à pressão das gravadoras e da mídia, segundo eles, os inimigos que querem destruir a essência da música. A banda, em franca ascensão, não está preparada para lidar com o assédio dos fãs, o endeusamento e as questões burocráticas de ser uma banda de rock. O maior destaque dado a um dos membros em detrimento dos outros causa brigas e disputas de ego que quase levam o grupo ao fim, algo nada incomum na trajetória das bandas.

Para quem conhece um pouco da história do rock, Quase Famosos é quase um deleite. Em algumas cenas é possível encontrar referências claras à biografia dos “dinossauros” dos anos 1970. Quando o guitarrista Russel Hammond (Billy Crudup)sobe em cima do telhado de uma casa e grita “Eu sou o deus dourado” durante uma “viagem” de LSD, é impossível não se lembrar de Robert Plant, vocalista do Led Zeppelin, no topo de um hotel em Londres. Ou quando a banda está a bordo de um avião que ameaça cair e todos os integrantes começam a falar verdades uns para os outros, pensando que vão morrer, a cena fica mais divertida se você sabe que isso realmente aconteceu com o The Who.


Alta Fidelidade, por sua vez, é uma espécie de enciclopédia musical filmada. Está tudo ali: Bruce Springsteen, Bob Dylan, Lou Reed, Velvet Underground, Queen, Elvis Costello, Steve Wonder, Marvin Gaye, Aretha Franklin, Burt Bacharach. Todas as canções foram meticulosamente selecionadas para embalar as crises existenciais do protagonista.

O universo retratado por este filme pode ser menos glamoroso que a época áurea do rock n´roll, porém não menos rico e interessante. Rob (John Cusack) é o dono de uma pequena loja de discos especializada em raridades. Quando Laura (Iben Hjejle), sua namorada, resolve deixá-lo, ele compõe uma lista dos 5 maiores foras de sua vida e resolve procurar suas ex-namoradas para tentar entender porque sempre sofre rejeições amorosas.

As listas de “5 mais” não se limitam às decepções românticas de Rob. Ele e seus dois amigos, Dick (Todd Louiso) e Barry (Jack Black), todos apaixonados por música pop, se divertem fazendo Top 5 de qualquer coisa que passe pelas suas cabeças, desde “5 melhores músicas lado A de todos os tempos” até “5 músicas para tocar no seu enterro”. Mais uma vez, é preciso ter algum conhecimento musical para apreciar este filme em sua plenitude.

Um leigo no assunto pode não entender as referências, rir com as tiradas arrogantes de Barry ou se deliciar com as preciosidades musicais que tocam na pequena Championship Vinyl. Mas ele ainda pode se divertir com umas das (Top 5?) mais inteligentes comédias românticas dos anos 1990. Porque, além de “mapa da mina musical”, Alta Fidelidade escancara o universo masculino expondo todas as fragilidades, inseguranças, neuroses sobre sexo e compromisso e paixões intensas vividas por Rob, que fala diretamente para câmera como se estivesse nos confidenciando seus maiores segredos, deixando-nos ir fundo em sua alma e revelando todos os seus vícios e virtudes.


O que estes filmes têm em comum? Ambos traçam de maneira clara e envolvente um retrato de pessoas que, de alguma maneira, se sentem intimamente conectadas à música. Festas regadas à bebida e drogas e decepções amorosas é que se tornam plano de fundo para dar lugar à fascinação que a 1ª arte exerce sobre nós, seja ela expressa na pergunta sem resposta de Rob, logo nós primeiros minutos de filme (“O que vem primeiro, a música ou o sofrimento? Sou triste porque escuto música pop ou escuto música pop porque sou triste?”), ou no desabafo sincero de uma fã para seu ídolo (“Elas nunca vão saber como é amar tanto uma banda a ponto de doer”).

Qualquer amante de música sabe o poder que alguns acordes têm de mudar completamente o seu humor, ou reconhecer a sensação de quando se tem certeza que uma canção fala diretamente para você. Não importa se você ama Belle & Sebastian ou é apaixonado por Led Zeppelin, se prefere Lou Reed a Rolling Stones, se é uma groupie histérica pulando em um show ou um alguém ouvindo sozinho uma canção em seus fones de ouvido. A música está presente e compõe nossa própria trilha sonora.

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5 Melhores trilhas sonoras da década (até agora):

1 - Eu não estou lá - Trilha por Sonic Youth, Yo La Tengo, Eddie Vedder, Mason Jennings, The Million Dollar Bashers, John Doe

2 - Across the Universe – Trilha por Dana Fuchs, Jim Sturgess, Evan Rachel Wood, Lisa Hogg, Bono, The Secret Machines e outros

3 - Juno – Trilha por Barry Louis Polisar, Kimia Dawson, The Kinks, Buddy Holly, Mateo Messina, Belle & Sebastian, Sonic Youth, Moot the Hoople, Cat Power, Antsy Pants e The Velvet Underground.

4 - O Fabuloso Destino de Amélie Poulain – Trilha por Yann Tiersen

5 - Desejo e Reparação – Trilha por Dario Marianelli

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Filmes citados:

Alta Fidelidade (High Fidelity), Stephen Frears (2000)

Quase Famosos (Almost Famous), Cameron Crowe (2000)

Não Estou Lá (I´m not there), Todd haynes (2007)

Across the Universe (Across the Universe), Julie Taymor (2007)

Juno (Juno), Jason Reitman (2007)

O Fabuloso destino de Amélie Poulain (Le fabuleux destin d'Amélie Poulain), Jean-Pierre Jeunet (2001)

Desejo e Reparação (Atonement), Joe Wright (2007)

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