3 de dez. de 2009

Violência e loucura no Vietnã

Por Angerson Vieira

Em 1965, tempos de Guerra Fria, os Estados Unidos oficializavam sua participação na Guerra do Vietnã, enviando tropas aliadas aos vietnamitas do sul. Era a entrada do exército americano em um dos maiores fracassos militar da sua história – a tropa e todo seu aparato tecnológico-bélico não resistiu às táticas de floresta e emboscadas armadas pelos vietcongues.

Durante os anos do conflito, a televisão mostrava os horrores da guerra e os milhares de estadunidenses mortos e feridos, as pessoas saiam às ruas, pedindo ao governo a saída do conflito. E quando o batalha chegou ao fim, se o território do Vietnã foi devastado, os Estados Unidos tiveram que conviver com a vergonha de ser derrotado por um pequeno e pobre país asiático.

Esse vexame talvez explique em parte o efeito que o conflito causou na indústria cinematográfica norte-americana. O número de filmes produzidos sobre o tema explodiu, e a Guerra do Vietnã se transformou praticamente em um subgênero, afinal de contas se nos fronts a guerra não foi vencida, a história podia ser diferente nas telas. John Wayne, três anos depois que os Estados Unidos entrava na guerra, dirigiu e atuou em Os Boinas Verdes, para exaltar a bravura dos jovens que representavam o país nas trincheiras. Daí seguiram, entre outros, Corações e Mentes, de Peter Davis; O Franco Atirador, de Michael Cimino; Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola; Platoon, de Oliver Stone.

É interessante observar, principalmente no caso dos dois últimos, a forma como as histórias filmadas se dividem entre a grandiloqüência dos confrontos: planos abertos de bombardeios, a selva fechada e sombria, os perigos que vêm de qualquer canto, aldeias dizimadas e armas de grande porte que disparam para todos os lados; e o intimismo presente nos confrontos mentais de cada personagem que vive a guerra. Essa violência elevada ao nível extremo provoca em quem faz parte dela desvios de comportamento que muitas vezes classificamos como loucura.

A loucura é discutida e diferentemente vista em alguns campos de estudo. Dentre as definições que o dicionário dá está “distúrbio ou alteração mental caracterizada pelo afastamento mais ou menos prolongado do indivíduo de seus métodos habituais de pensar, sentir e agir”. Ou seja, qualquer tipo de pensamento que fuja do normal pode estar próximo do estado de loucura. Obviamente, o pensamento considerado normal depende e varia de acordo com a sociedade e seu contexto.

Apocalypse Now é, sem dúvida, um dos melhores exemplos de guerra e os efeitos enlouquecedores que ela tem sobre a mente. Capitão Willard sobe pelo rio para realizar sua missão confidencial, mas ao longo do percurso tem encontros com figuras experientes do confronto que apresentam desvios comportamentais das mais diferentes formas.

O primeiro deles é, sem dúvida, o tenente coronel Bill Kilgore. Sua fala inicial já demonstra seu perfil exageradamente brutal – pede para que bombardeiem determinado local para que ele tenha espaço para respirar. Da mesma forma, se em determinada praia existe ondas de seis pés de altura, é ali que ele e seus soldados vão surfar, não importa a quantidade de vietcongues nos arredores. Kilgore leva seu pelotão para exterminar o inimigo, mas enquanto isso exige que alguns soldados – com pranchas, ao invés de fuzis na mão, surfem, meio a bombas e tiros. Sua loucura é finalizada sua frase mais famosa “Eu adoro o cheiro de napalm pela manhã”.


Depois de passar por uma ponte na qual os soldados americanos atuam sem comando, e atiram em ninguém, Willard e seus homens chegam a um posto médico a beira do rio que mais parece um manicômio: as pessoas não sabem quem manda ali, homens correm nus, acreditam que são animais e suas falas não apresentam conexão lógica. E é então que percebemos que não só os participantes efetivos da guerra – soldados e membros do exército – que enlouquecem frente ao ambiente de guerra: as coelhinhas da Playboy americana, que estão em visita aos soldados americanos também já não agem racionalmente.

E, com o passar do tempo, o estado mental dos colegas de barco de Willard também sofre distúrbios. Chef tem mais medo de onça do que da guerra propriamente dita, e Lance, o surfista, adota um cachorro que pelo qual se apaixona e valoriza mais que seus companheiros de guerra.

Ao fim do filme, somos apresentado ao misterioso coronel Kurtz – quem Willard deveria exterminar. Kurtz, mesmo só aparecendo nos últimos minutos do longa já é bem conhecido pelo espectador, uma vez que pelos pensamentos do capitão encarregado de matá-lo, sabemos que trata-se de um alta patente do exército americano que enlouqueceu e lidera uma comunidade de pessoas que o cultua como a um Deus. Todos nós estamos certos que Kurtz é um homem insano e completamente louco. O cenário confirma isso, com pedaços de corpos espalhados e pendurados por todo lugar. Bem como o primeiro personagem seguidor do coronel, um foto jornalista que não mais cobre a guerra, mas segue ao Deus Kurtz. Sua fala é desconexa e irracional: mais um enlouquecido pela tormenta da guerra, e nesse caso, não se trata de um soldado. Quando conhecemos o coronel de perto, ele nos aparece como uma dos personagens mais sensatos que até ali tivemos contato: suas falas são lógicas, demonstram que ele tem um grande conhecimento do conflito e da posição norte americana no mesmo. Até Willard se surpreende: “Ele sabe mais de mim do que eu mesmo”.


Dos desvios de comportamento e atitudes insensatas de quase todos personagens de Apocalypse Now faz do filme mais uma narrativa sobre loucura e destruição da sanidade mental do que uma história sobre a guerra e a destruição do Vietãnã.

Em Platoon, Oliver Stone nos dá a oportunidade de acompanhar o drama que o soldado voluntário Chris Taylor passa nos fronts de batalha. Entretanto, em cada personagem que nos é apresentado, se observamos cuidadosamente, é possível identificar comportamento, em algum grau, insano. Isso já é explícito logo na primeira narração em off de uma das cartas que Taylor envia a sua avó: “Alguém alguma vez escreveu que o inferno é a impossibilidade de sensatez. É o que esse lugar é: o inferno”. Logo nas suas primeiras impressões, o soldado já notara: o estado deplorável da guerra e da violência faz com que os indivíduos se afastem dos seus métodos habituais de pensar e agir.


O espectador percebe isso em diversos momentos do filme, notavelmente no caso da briga interna entre os sargentos Bob Barnes e Elias Grodin. Ora, o objetivo pré-definido em qualquer batalha é vencer o inimigo. Mas para esses dois membros do exército americano – e principalmente para o segundo, o objetivo é exterminar o amigo, o aliado, no caso, um ao outro. Briga por poder e tomadas de decisão fazem Barnes e Elias esquecerem os inimigos vietcongues e apontarem suas armas um para o outro. Cada um é louco a seu modo: Barnes é sanguinário, assassino, cruel e atira na cabeça de um pobre civil vietnamita sem nenhuma consideração à vida daquele ser humano; já Elias, o pacifista, recorre às drogas como escape, mas não os usa tradicionalmente: em uma festa organizada na concentração, faz do cano do fuzil um cigarro. E os desvios de comportamento não se restringem a esses dois personagens, uma vez que a calamidade da guerra atinge cada mente que dela faz parte. Bunny é um soldado esquentado e brutal em qualquer situação, Junior um neurótico, pessimista e O’Neil um alta patente que não sabe comandar. Características que, em estado normal são como nuances do comportamento humano, nessa situação são potencializadas a seu extremo e assumem grandeza espantosa. Até mesmo o jovem Chris Taylor tem seu acesso de loucura, quando, frente a um civil deficiente quando o faz dançar com uma perna só, atirando no chão. A atitude de Taylor assusta até mesmo seus colegas de guerra mais experientes. É seu ritual de passagem: foi a partir daí que passou a entender o Vietnã. Além de temer os vietcongues, Taylor tinha medo de enlouquecer completamente, e em uma das cartas a avó, revela: “Dia a dia, luto para manter minha sanidade mental”.

Se Freud postulou que a loucura está no nosso inconsciente, e travamos uma luta para que ela não se manifeste, é fácil concluir que durante um cenário de guerra – sobretudo quando seu exército está sendo derrotado – fica ainda mais difícil equilibrar a batalha interna entre a loucura e a sensatez. Nesses momentos, parece ser mais fácil par a loucura vencer o inconsciente e provocar desvios comportamentais. E mesmo sem nunca termos ido a guerra, concluímos isso por causa de filmes como Apocalypse Now e Platoon.


Referências bibliogáficas:

NAKAGAWA, Patrícia Yumi. O que é loucura?. In: <http://www.palavraescuta.com.br/perguntas/o-que-e-loucura> visitado em 30 de novembro de 2009.

Filmes citados:

Os Boinas Verdes (Green Berets ), John Wayne (1968)

Corações e Mentes (Hearts and Minds), Peter Davis (1974)

Franco Atirador (The Deer Hunter), Michael Cimino (1979)

Apocalypse Now (Apocalypse Now), Francis Ford Coppola (1979)

Platoon (Platoon), Oliver Stone (1986)

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